A minha análise (não-solicitada) sobre Lázaro Barbosa

Yalena Andrade
9 min readJun 18, 2021

Ultimamente no Brasil não se fala em outra coisa. Diferente de “No Limite” (peço perdão de antemão pelas péssimas piadas), o caso de Lázaro Barbosa virou pauta diária em todo e qualquer veículo de comunicação.

Lázaro Barbosa, o “serial killer” de Brasília (atenção as aspas) juntou o país em torno de um assunto, como há muito tempo não se fazia. Pela primeira vez em meses, a pandemia do covid-19, não é o assunto do momento.

Mas como toda boa história brasileira, a história do Lázaro é extremamente problemática. E por incrível que pareça não estou apenas falando do fato de que 400 policiais especializados, munidos de cachorros, drones e helicópteros, não conseguem pegar um homem a pé com um revólver.

Lázaro Barbosa é um homem de 32 anos que ficou nacionalmente conhecido como “Serial Killer de Brasília” após realizar uma chacina em Ceilândia, no Distrito Federal, no dia 09 de junho de 2021. No crime, ele matou o empresário Cláudio Vidal, e seus dois filhos, de 21 e 15 anos, a tiros e facadas na fazenda da família. Os corpos das três vítimas foram encontrados no local. A mulher de Cláudio, Cleonice, estava desaparecida, mas seu corpo foi encontrado três dias depois na beira de um córrego. A causa da morte e laudo da autópsia não foram divulgados.

No dia 10 de junho, Lázaro invadiu uma residência que ficava a 3km da residência da família Vidal, fez o caseiro e a proprietária, Silvia Campos, de reféns, roubou objetos e os obrigou a fumar maconha.

No dia 11 ele roubou um veículo em Ceilândia e foi até Cocalzinho de Goiás, onde incendiou o veículo (seria isso para destruir evidências como DNA ou ele só curte colocar fogo nas coisas?). A polícia tem informações que ele teria tido ajuda de alguém na cidade.

De acordo com a polícia, ainda no dia 12 de junho, ele invadiu chácaras, fez moradores de reféns (obrigou um deles a fumar maconha), bebeu, colocou fogo em um veículo, roubou duas armas de fogo, foi encontrado por policiais, houve trocas de tiros e ele conseguiu escapar.

No dia seguinte, Lázaro avistou uma viatura policial em Edilândia, Goiás, abandonou o veículo que estava usando e começa a fugir por uma mata.

No dia 14 de junho, ele invade uma propriedade rural, troca tiros com um funcionário e consegue escapar, de novo. Há informações de que ele poderia ter ficado ferido.

No dia 15 de junho, Lázaro faz uma família refém ainda em Edilândia. Uma das vítimas conseguiu mandar mensagem para um policial pedindo ajuda. Houve troca de tiros, um policial foi baleado, e adivinha só? Lázaro conseguiu fugir, novamente. Mais tarde ele seria flagrado por câmeras de segurança dormindo em uma propriedade rural.

Apesar de Lázaro só ter ganhado atenção da mídia após a chacina de 09 de junho, sua carreira criminal é bem mais antiga. Ele respondeu por uma acusação de homicídio em Barra do Mendes, Bahia, em 2008. No crime que teria sido cometido por ele, um homem foi baleado após tentar impedir Lázaro de estuprar uma vizinha.

Ele é preso, mas foge da prisão. Em 2011, é acusado e condenado em Ceilândia por estupro e posse ilegal de arma de fogo. Ele vai para regime semiaberto em 2014, mas acaba descumprindo as regras do regime, é preso outras duas vezes, mas consegue fugir.

Já em 2021, ele é suspeito de no dia 26 de abril, ter invadido uma casa em Sol Nascente, onde ele trancou pai e filho em um quarto, levou a mulher para um matagal onde estuprou a vítima.

No dia 17 de maio de 2021, ele fez uma família refém ainda em Sol Nascente, ameaçou as vítimas com armas de fogo e facas, obrigou as pessoas da casa a ficarem nuas e ordenou que as mulheres fizessem e servissem jantar para eles. Ele obrigou as vítimas a rezarem o pai nosso e filmou e fotografou as vítimas nuas. Antes de ir embora ele pediu desculpas as pessoas mas afirmou que divulgaria as fotos e vídeos caso a polícia foi procurada. Ele também usou luvas enquanto esteve na casa.

Durante o encarceramento em 2013, Lázaro passou por uma avaliação psicológica, que descreve características de personalidade como “agressividade, ausência de mecanismos de controle, dependência emocional, impulsividade, instabilidade emocional, possibilidade de ruptura do equilíbrio, preocupações sexuais e sentimentos de angústia”. Essas características seriam consequência, de acordo com o laudo, Lázaro sofreu agressões familiares , uso abusivo de álcool e outras drogas, falecimento de familiar (irmão mais novo), abandono das atividades escolares, trabalho infantil e situação financeira precária. Além disso, Lázaro afirmou estar embriagado quando cometeu os crimes de estupro e homicídio.

Ok, primeiro, vamos falar sobre o fato de Lázaro estar sendo chamado de serial killer.

Aparentemente ele ganhou o apelido “Serial Killer de Brasília” por internautas. A primeira vez que eu vi esse termo foi na página Crimes Reais do Twitter, e talvez seja de lá a origem do nome.

A discussão sobre a definição de serial killers é enorme, existem e são usadas diversas definições, dependendo muitas vezes do objetivo da aplicação do termo : propósito educativo? Investigativo? Acadêmico?

A definição oficial do FBI feita em 2005 é que serial killer é qualquer indivíduo onde vítimas são mortas em ocasiões diferentes com um período de resfriamento entre elas. Essa definição, diferente da original, ignora a motivação do crime. Por ter cometido um crime em 2009, ele de fato entraria nessa definição, mas se estiverem usando o termo apenas porque ele matou mais de uma pessoa esse ano, ai de fato é totalmente equivocado.

O que o Lázaro parece e pode se tornar — caso ele faça mais vítimas — é o chamado spree serial killer — isso porque, depois da primeira chacina, o Lázaro nunca voltou a uma rotina, a uma vida normal. Ele nunca teve o seu período de “resfriamento” entre um crime e outro, ele segue dedicando todas as horas do seu dia a fugir da polícia, a sobreviver, a fazer reféns, roubar residências, queimar carros e sabe-se lá o que mais. Andrew Cunanan, D.C Snipers, Paul John Knowles são exemplos de spree serial killers.

Mas supondo que Lázaro seja um serial killer. Que tipo de serial killer ele é? Organizado? Desorganizado? Ele é misto. Assim como Richard Ramirez, ele é um serial killer “misto”, combinando traços de personalidade organizada e desorganizada, sendo a presença da última acentuada pelo uso de álcool, drogas e pelo estresse de ser perseguido. Basicamente, ele invade casas aleatórias (desorganizado) sem saber quem vive nelas, ele fez muitas vítimas de refém mas apenas matou a família Vidal, mostrando que talvez a decisão de matar seja algo decidido no momento do crime (por que?), ele não faz qualquer tentativa de esconder seu rosto, apesar de ter usado luvas em uma ocasião (desorganizado E organizado em relação a evidências forenses), porém ele entra nas casas já armado (não usa armas disponíveis no local) e em uma ocasião assistiu o jornal (talvez para acompanhar a busca da polícia).

Além disso, de acordo com o laudo psicológico de 2013 Lázaro possui algumas características muito comuns com serial killers, de acordo com uma pesquisa feita pelo FBI: agressão familiar (42% sofreram abuso físico na infância) , álcool e drogas (muitos serial killers apenas cometiam seus crimes sob efeito de alguma substância desinibidora).

Porém, o que aconteceu em 2021 para o Lázaro entrar nesse comportamento? Qual foi o gatilho que o levou a cometer uma série de crimes que escalou até a chacina de 9 de junho?

Que Lázaro é um criminoso, não há dúvidas. Furtos, posse de arma, estupro, violência são comportamentos que podem ser traçados desde sua juventude. Seja pelo seu histórico familiar, por condições biológicas, culturais, sociais ou psicológicas, é quase como se ele não se importasse com as leis e normas sociais. Mas os seus crimes de 2009–2014 são completamente diferentes dos que aconteceram esse ano. Algo em sua personalidade, em sua mente mudou em 2021.

Comentei anteriormente que ele seria talvez um spree serial killer, esse tipo de criminoso, assim como assassinos em massa (seria Lázaro um assassino em massa?) — como os autores de Columbine, Suzano e Sandy Hook - passam por um estalo mental do qual não há volta. Basicamente, eles vivem uma vida onde eles se sentem estressados e pressionados por meses ou anos (e no caso do Lázaro isso é compreensível — fugir da cadeira e ser preso 3x deve ser algo estressante) mas assim que uma situação acontece que os leva a matar, eles não voltam a vida normal. Um exemplo? Andrew Cunanan, Paul John Knowles, D.C Snipers.

Todas as perguntas relacionadas ao Lázaro só poderão ser respondidas por ele. Os porquês, as motivações, o funcionamento de sua mente, suas escolhas (ou falta de escolhas).

Mas o que mais me chamou a atenção na história do Lázaro é que ele é mais um em uma série de crimes grandiosos que estamos vivendo em 2021 : o suposto serial killer de Juazeiro, o serial killer de gays de Curitiba, os atentados em escola. O que está acontecendo com o Brasil? E por incrível que pareça não estou me referindo ao governo Bolsonaro.

Parece que estamos vivendo um serial killer panic.

Entre 1970 e 1990, os Estados Unidos viveu o chamado serial killer panic — um medo generalizado da população de assassinos em série. Um medo em parte justificado : grande parte dos nomes de serial killers que conhecemos hoje são daquela época, os chamados anos dourados dos serial killers — The Hillside Stranglers, Richard Ramirez, Jeffrey Dahmer, Ted Bundy, Ed Kemper, John Wayne Gacy, Charles Manson, Jeffrey Brudos, Wayne Williams. Entre 1960 e 1990 o número de serial killers subiu 960% nos Estados Unidos. Em 1984, o presidente Reagan anunciou a criação do NCAV — National Center for the Analysis of Violent Crime — o Centro Nacional de Análise para Crimes Violentos, do FBI. O termo serial killer também surgiu em 1981, assim como a BSU, os profilers…

Mas nós não vivemos isso. Adolescentes e jovens adultos são da geração online. Crescemos e vivemos conectados, consumindo conteúdos por vídeo, podcasts, twitter. É assim que nos informamos, aprendemos e nos entretemos. Somos em parte responsáveis pelo sucesso e pela renovação do true crime, e principalmente, pelo novo interesse nos serial killers da década de 70, 80 e 90 . Não vivemos essas histórias (eu nem era nascida) mas consumimos elas diariamente. Falamos de serial killers como se eles fossem estrelas de filmes do 007. É quase como se quiséssemos viver aquilo. E talvez seja por isso que essas histórias e esses crimes estão ganhando tanta atenção. Estamos desesperados para ter o nosso próprio Ted Bundy, para usar tudo que aprendemos assistindo Mindhunter.

A questão é que serial killers, ataques à escolas sempre aconteceram. Mas parece que atualmente eles tem ganhado mais atenção, principalmente entre os jovens.

A página “Crimes Reais” no Twitter possui 870 mil seguidores. Eles fazem diariamente posts sobre crimes antigos e coberturas de crimes atuais. Não estou jogando hate, eu mesma sigo a página, mas grande parte do pânico criado online pode (suposição) ser proveniente da página. Você não pode simplesmente fazer um tweet que diz “Brasília pode ter um serial killer à solta” para 870 mil pessoas e não esperar que cause um pânico generalizado. Ainda mais quando parte do público que te segue são jovens.

Aproveitando o interesse gerado online, canais de televisão começaram a fazer uma extensiva cobertura da perseguição à Lázaro. A Rede Record dedicou horas da sua programação ao caso. Outras emissoras se gabam de terem conseguido entrevistas exclusivas com a mãe ou a namorada (uma jovem de 19 anos) de Lázaro. Parece que os veículos de comunicação não aprenderam absolutamente nada com o caso Eloá.

E vale tudo pela audiência e por uns minutos de fama. De jornalistas até os próprios encarregados pelo caso, diariamente são feitas afirmações sem qualquer tipo de investigação ou fonte confiável. A mais recente? Lázaro é satanista.

Falando em satanista, vamos ao próximo tópico : satan panic.

Outro fenômeno vivido nos Estados Unidos após os crimes da família Manson e do Richard Ramirez, refletido no brasil no chamado “Casos das Bruxas de Guaratuba” (aka Caso Evandro). Em um país extremamente religioso e católico como o Brasil, é extremamente fácil utilizar explicações desconhecidas e ocultas para o inexplicável. Como um homem pode fugir de 200 policiais? Blame it on the devil. Ele disse que estava possuído e que levaria todo mundo no caminho? Então ele definitivamente está possuído, afinal de contas, não existem transtornos mentais.

O pior de tudo é que todos os porquês sobre o caso talvez nunca sejam respondidos. Acredito que o Lázaro não será capturado com vida : em uma emboscada policial, ou ele vai tirar a própria vida, ou agirá de uma maneira que forçará os policiais a matarem ele. Mas obviamente, isso é apenas a minha opinião tirada totalmente do meu c*.

Resumindo: Lázaro nada mais é do que um criminoso comum, como tantos outros que temos em um país que tem mais de 32 mil mortes violentas ao ano, se não fosse o circo midiático feito ao redor dele, o sensacionalismo em cima do caso e por que não dizer, a incompetência policial (mas isso pelo menos tem gerado bons memes).

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Yalena Andrade

Transformando as 20 abas abertas no meu cérebro em textos